Pra sempre

Era 18 de dezembro de 2005. Um dos raros dias que não começou, nem terminou.

Há alguns meses eu havia saído de casa e passado pelo processo traumático que é uma separação. Tudo isso aconteceu na mesma semana em que o São Paulo ganhou a Libertadores e que, portanto, jamais pude comemorar como gostaria.

Naquele dia eu precisava ser campeão do mundo.

Era mais que futebol. Era pessoal. O Liverpool tinha que pagar por todos os momentos ruins que passei naquele período.

Meu pai foi ver o jogo na casa da minha tia, que fica na rua do bar. Talvez por conveniência, talvez por medo de estar longe se eu tivesse um ataque cardíaco.

Não é exagero.

Eu, garoto, no Morumbi

Eu até hoje não sei como sai daquele bar vivo. Foi o maior sofrimento que já senti na vida. Foram duas horas intermináveis, escanteios de uma hora e meia, cruzamentos de 20 minutos e chutes que levavam 2 dias para chegar às mãos do Rogério.

Não acabava nunca.

Homens de vermelho se multiplicavam no gramado e encolhiam os de branco na sua área. Um massacre, uma tortura.

Quando fizemos 1×0 não havia mais torcida pelo segundo gol. Sabíamos que era aquilo e nada mais. Nos restava torcer pra não entrar. O segundo gol jamais esteve em questão.

O Liverpool fazia por merecer o gol de empate. E eu discutia com Deus em voz baixa. Que diabos que esse time tem que possa ter sido mais difícil do que não comemorar a Libertadores que esperei 11 anos pra ganhar?

Entre virar ateu e pastor, assisti os últimos 45 minutos misturando suor e lágrimas no rosto, secando com a bandeira do São Paulo que me enrolava.

Olhava em volta, dezenas de amigos tricolores, ninguém conseguia trocar uma palavra. Era lance de gol atrás de lance de gol. Um milagre atrás do outro.

O minuto virava apenas após 234 segundos, não mais 60. Foram 18 chutes a gol. Todos devidamente afastados pela camisa que eu vestia, a cueca da sorte o santo paulo que estava na nossa mesa nas mãos de uma amiga, a Kátia.

O medo da expulsão quando Lugano escorregou e sem querer atingiu, de leve, as pernas do Gerrard. Só amarelo, justíssimo! Nem saiu sangue…

Ah, Rogério… Que partida!

Falta pra “eles”. Gerrard prepara e cobra no ângulo esquerdo do goleiro, que dá 2 passos e voa.

Sim, super heróis voam.

A bola é jogada pra escanteio e Gerrard entrega os pontos com o olhar. A deliciosa cabeça baixa de quem “desiste” de tentar o impossível.

Não ia entrar.

Nós não íamos deixar. Eu salvei umas 2 bolas esticando o braço e derrubando o copo. Ao meu lado amigos tiravam de cabeça, outros gritavam alertando os companheiros.

Mas não ia entrar. Nem fodendo.

A última bola, o apito final, a imagem do Mineiro correndo de braços abertos e o mundo, de novo, aos meus pés.

Eu levei 5 minutos entre o final do parágrafo anterior e o começo deste. Tentei sentir de novo o que aconteceu naquele momento e sei que nunca, mesmo se tudo se repetir em campo, eu vou ter aquela sensação de alívio novamente.

Pra sempre. Desde sempre.

Dizem que morrer dá paz. Eu morri por alguns segundos. Não vi a luz, nem porra nenhuma. Só ouvia gritos e curtia uma alegria que, naquele momento, só o futebol podia me dar.

Desde então eu me tornei menos fanático. Por profissão, por decepção, por diversos motivos. Mas especialmente porque nada poderia me fazer mais feliz do que aquele clube me fez naquele dia.

Esgotou. “Zerei a paixão”, eu diria. Fui no limite dela e não tinha mais o que buscar. Nada seria e nem será mais forte e redentor do que aquilo.

Quando sai do bar meu pai chegava com a minha tia. Eu o abracei chorando muito e repeti: “Obrigado, obrigado, obrigado, pai!”. Ele perguntava porque, e eu beijava o simbolo e dizia: “por me fazer sãopaulino”. Foi o agredecimento mais sincero que já fiz em toda minha vida.

Coloquei a faixa nele e vice versa. Como fazemos desde quando tinha 1 ano.

Minha tia, que acompanhou todo o processo pessoal que passei, me olhava sorrir daquele jeito pela primeira vez entendeu o que era futebol. Talvez pra ela fosse um jogo, como a maioria das pessoas pensa. Mas não é.

Até que a morte nos separe. Em nome do pai, do filho e de um santo. O Paulo.

Salve o 18/12/2005!
Salve o tricolor paulista!

abs,
RicaPerrone