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Não são uma vergonha

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Ontem participei de um papo na Rádio Gazeta AM do Espirito Santo. De lá surgiu uma discussão antiga, quase chata, meio saudosista, meio inconveniente, porém, necessária.

No nordeste é comum você ver nego reclamando de torcedor de times de outros estados. Os chamam de “vergonha do nordeste”, o que é uma bobagem sem tamanho.  Primeiro porque paixão não se escolhe, acontece. Segundo porque fatalmente os “que envergonham” serão mais felizes.

É chato tocar no assunto, parece menosprezo. Mas não é.

As coisas evoluem, e o futebol não é diferente. Em 1950, tudo era amador e romantico. Você dava um trocado e o cara jogava no seu time. Não precisava de estrutura, salários altos, nada. Era só jogar.

Até a década de 80 muito do futebol ainda era na base do amor a camisa, do amadorismo, etc. Hoje, felizmente ou não, isso acabou.

Os valores multiplicaram a um ponto assustador, porém, real. Não tem como se esquivar do fato de um time grande hoje PRECISAR de uma estrutura, uma torcida enorme e de muita mídia. É através de mídia que se paga os custos pra se manter grande.

Se você tem 30 milhões de torcedores, está feito. Se tem 1 milhão, vai respirar por aparelhos. Se tiver 1 milhão em São Paulo, terá chances. Se tiver 1 milhão no Amapá, está falido.

Isso é estudo de IBGE. Todo cidadão sabe que, infelizmente, o norte-nordeste não tem a mesma condição economica do Sul do país. Assim sendo, 2 milhões de torcedores no Recife tem um peso, 2 milhões no Rio de Janeiro tem outro.

Simplesmente porque é assim que funciona.

A mídia centraliza onde a propaganda vende, caso contrário ela também morre. Logo, foca em SP, Rio, Minas e Rio Grande do Sul (futebolisticamente falando).

Não a toa os 12 maiores clubes do país ficam nestes estados.

Existia em 1970 a possibilidade de um time do Acre juntar uma geração de bons jogadores e tentar brilhar. Existia, hoje não mais.

O Bahia, forte como é, pode ter casa cheia e a torcida que for. Ele não conseguirá competir com o Fluminense, que segundo o Ibope tem uma torcida um pouco maior.  No Rio o mercado é diferente, as pessoas consomem mais e mais caro. O patrocinador vai sempre preferir ter sua marca numa camisa carioca que lhe custe 10 milhões por ano do que numa do Bahia que custe 5.

Isso é mercado, não preconceito.

O futebol não custa mais 100 mil reais. Hoje, pra se manter um time razoavelmente competitivo, lá se vão 3 milhões por mes. Um CT, uma estrutura, uma comissão técnica, etc, etc, etc.

Você não pode chegar no Amapá e exigir que o torcedor compre as mesmas 250 mil camisas que a torcida do Inter compra por ano a 170 reais cada. Não existe dinheiro pra isso, e é uma questão social. O futebol apenas reflete isso.

Você não vende pay per view onde não tem tv a cabo. Você não cobra 50 reais num ingresso de um estádio caindo aos pedaços. E também não vai ter os 60 milhões de patrocinio de camisa que um gigante consegue hoje por ano.

Existem estados que tem alguma chance de conseguir isso, mas quando não esbarra no poder financeiro, esbarra no tamanho.

O Paraná, por exemplo, tem 10 milhões de habitantes. Se destes a média de 70% fã de futebol for mantida, você tem 7 milhões de pessoas para manter 3 grandes clubes. O índice de consumo dos 7 milhões é bem baixo, vide Flamengo, que vende 1 milhão de camisas sendo campeão tendo 35 milhões.

Imagine que um clube do Paraná precisaria ter uns 50% destes 7 milhões e ainda fazer com que destes 3,5 milhões, (10% do total do Flamengo) gerem receita suficiente para manter o clube competitivo e gigante.

A chance é pequena. E quanto mais caro fica o futebol, quanto mais europeu a coisa se parece, pior.

Os “que envergonham o nordeste” tendem a ver o futebol brasileiro crescer a passos largos e continuar com seus times no alto da tabela, sempre brigando por algo grande. Os que “não envergonham o nordeste”, por exemplo, não serão nunca mais a elite do futebol brasileiro.  Simplesmente porque atingiram valores impossíveis de serem alcançados por um time da região norte-nordeste hoje em dia. E provavelmente pelos proximos anos.

Ninguém “comemora” isso. Lamentamos, pois seria otimo termos um país mais igual e condições de ao invés de 12 termos 20 gigantes no nosso futebol.

Mas também não podemos ser malucos. Se todos os países da Europa vivem com 2 ou 3 grandes, já somos bastante “folgados” em termos 12.

Os pequenos vão sumir. Os médios vão virar “pequenos” e os 12 permanecerão no alto.

Todo país tem 2 divisões com dificuldades, a terceira é quase amadora. Aqui temos 4, e ainda sobram 600 clubes esperando vaga. Não tem como, por mais saudosista que tentemos ser, eles morrerão.

Os torcedores que vivem de uma paixão distante não são “vergonha de lugar nenhum”. Pelo contrário. São apaixonados por algo que não podem estar perto, portanto, sua paixão é talvez ainda mais valiosa.

Ter 2 times morando num lugar sem ter um gigante nacional é como acompanhar F-1.

Você torce pro Rubinho, ele é brasileiro. Mas sempre há espaço pra ter uma preferencia entre Alonso, Schumacher, Hamilton…

Todo mundo gosta de brigar pelo topo.

Feio é torcer pra time argentino. Aí sim, concordo, é vergonhoso.

Um nordestino vascaino, um paranaense são paulino ou um amazonense corintiano não envergonham seu povo local. Ao contrário, os coloca no mapa dos grandes.

abs,
RicaPerrone

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<b>Rica Perrone</b> é jornalista, tem 44 anos, foi pioneiro no Brasil no jornalismo independente online entre outros. Apresentador do Cara a Tapa e "cancelado". com frequência por não ter feito nada demais, especialmente não bater continência pra patota.