Não deixe o samba morrer

Nosso garoto nasceu pobre, cresceu magrinho jogando bola na terra. Driblava pedras, fazia dos chinelos as traves e sorria enquanto tentava ser “diferente”.  Vocação para protagonista não aceita desaforo.

Nosso garoto é bom de samba. Toca todos os instrumentos e enquanto isso ainda dança e sorri. Apaixonante, carismático, único.

Um dia alguém disse que era feio sambar. Que era uma música pobre e que bom mesmo era tocar saxofone.  Alguns rejeitaram, outros acreditaram, mas nosso menino foi lá experimentar.

Tocou. Aplaudiram. Ficou.

Aprendeu a ser parte de uma orquestra que erra pouco. Que repete as músicas do passado, que nada compõe, mas que sempre entrega o combinado.  No samba ele improvisava, errava, recomeçava, ria, se vestia como queria e tocava o instrumento que bem entendesse.

Barça e MilanAgora ele é saxofonista. Anda de terno, ganha muito, sorri pouco.

Veio a uma festa em sua antiga comunidade e logo estranharam sua roupa. Ainda assim, o receberam como o menino de antigamente.  Mas ele já não pertencia a aquele lugar. Estranhava o cheiro, a forma de falar, o gingado e a alegria a troco de nada.

Lhe deram uma platéia, um pandeiro e uma roda de samba com colegas que jamais tinha tocado junto. E ele não soube se virar.

Vaias, frustração, e o pior: Ele vai sair dali e vai pra casa, que fica muito longe daquelas pessoas que ficaram sem samba no domingo.

Ele até se importa. Mas mesmo assim o diagnóstico do dia seguinte não é que deveríamos tê-lo mantido no samba, mas sim que faltou aos outros mais instrumentos para uma orquestra de música clássica no meio da favela.

Aí não adianta reclamar.

“Aquele neguinho que andava 
Descalço na rua e ao leo 
Assobiando beethoven, chopin 
Porém preferindo noel …”

Vou seguir sambando. Aceitando talvez um instrumento novo, uma roupa melhor, quem sabe até um palco. Mas ainda assim, sambando.

Quem tem vergonha de onde veio não vai a lugar algum.

abs,
RicaPerrone