Defendendo os pontos corridos

Chato pra caralho (mas meu amigo), Fábio Venturini pensa 101% diferente de mim sobre os pontos corridos.  Já defendi a mesmissima tese que ele defende hoje, mas depois de 5 anos virei pro outro lado.

Mas, como ele é chato, muito chato, e me enche o saco com os pontos corridos, pedi um texto dele defendendo a causa. Assim vocês conhecem, no mesmo blog, os dois lados da mesma questão.

Com vocês, Fábio Venturini, o maior fã do Muricy que já conheci, corintiano fanático, cabelo bonito e que odeia discutir futebol comigo.

Mas, fazer o que, é meu amigo… rs
http://twitter.com/fabaoventurini

O mata-mata é bom, mas um campeonato tem que ser por pontos corridos

Entrar em debate sobre qual é a melhor fórmula de disputa de um campeonato de futebol, pontos corridos ou eliminatório, parece-me pouco razoável. Um busca premiar melhor rendimento enquanto o outro constrói epopeias, heróis, contos memoráveis de afirmação de superioridade ou de superação. É comparar o incomparável.

Um tipo de competição não precisa necessariamente excluir o outro. Pelo contrário, eles se complementam.

Em qualquer país onde há um campeonato disputado em dois turnos, todos contra todos e a equipe de maior pontuação levanta a taça, há outras disputas eliminatórias.

A discussão sobre as fórmulas envolvem especificamente o Campeonato Brasileiro, pois também envolve objetivos distintos. De um lado clubes, de outro quem ganha mas não mantém as agremiações.

Sim, muito importa que o mata-mata é mais emocionante, injustamente justo, que cativa o torcedor. Por outro lado, também muito importa que os clubes, para manter estabilidade financeira, devem ter garantias de atuação durante todo o ano, condições de planejamento, segurança em negociações de contratos etc.

Jogadores devem ser mantidos ocupados, fontes de receitas precisam ser diversificadas, a proximidade com o torcedor deve ser zelada e as camisas não podem deixar de aparecer na mídia, pois tudo isso redunda em lucro ou prejuízo.

É capitalismo, é o mundo moderno, é onde o futebol existe.

Apenas mata-mata também pode matar os clubes

Em 2002 houve no Brasil o paraíso dos torneios eliminatórios. No primeiro semestre foram disputados Estaduais (sem os “grandes”), Copas Regionais, Copa do Brasil e Supercampeonatos Estaduais, além é claro da Copa Libertadores da América. A extinta Copa dos Campeões, com os vencedores das copas regionais, ocorreu no meio do ano, e o Campeonato Brasileiro ocupou todo o segundo semestre. Os clubes brasileiros nem disputaram a finada Copa Mercosul.

Boa parte dos clubes se perderam, inclusive grandes.

Peguem-se como exemplo Santos e Botafogo. Ambos estavam previamente fora da Libertadores. Mal no Torneio Rio São Paulo e na Copa do Brasil, ficaram de fora da Copa dos Campeões. Passaram quase quatro meses apenas treinando e jogando alguns amistosos por pouca verba (ninguém faz excursão quando está mal), entre meados de abril e início de agosto.

Com a eminente catástrofe financeira, o Peixe dispensou e negociou vários atletas, montou um time com o que tinha na base e traçou o objetivo de não ser rebaixado. Acabou campeão, mas não é todo dia que se pode dispor de Diegos e Robinhos subindo dos juvenis…

O Fogão começou com o que tinha em General Severiano e a mesma missão de não fazer feio no Brasileirão. Acabou rebaixado. O Palmeiras, coincidentemente ou não também parado por mais de dois meses, foi outro grande que caiu para a série B.

Sobrevivência é o motivo para adotar pontos corridos

Na Europa e na Ásia, mesmo os clubes que não disputam as ligas continentais ou são eliminados nas primeiras fases têm garantidas pelo menos 38 partidas durante o ano nos nacionais. As copas de cada país recheiam o calendário e todos sobrevivem com aproximadamente 50 jogos, tempo para pré-temporada, torneios amistosos realmente lucrativos e excursões.

No Japão o modo de garantir a sobrevivência da liga com o declínio da economia do país foi mudar a fórmula do campeonato nacional, o “torneio-matriz” do ano, para pontos corridos, mantendo outras disputas no mata-mata.

Fazem isso porque desconsideram a emoção do mata-mata? Países como Turquia, Grécia e Holanda são mais poderosos economicamente do que o Brasil para levar ídolos dos nossos grandes para clubes de média e pequena expressão? A população de algum dos países que retira os craques daqui é maior do que a torcida de um Flamengo, um Corinthians ou um São Paulo?

Nessas nações se entende que o futebol é um esporte internacional (diferente dos esportes dos Estados Unidos), com forte dependência de mercado, vendas de produtos e criação de mitos.

Sim, lá há dirigentes ruins, mas que sabem que vender o espetáculo é manter a vida do seu negócio e vender o artista é ser dependente, beneficiar alguns poucos e matar a galinha dos ovos de ouro.

Ter um torneio de pontos corridos beneficia as agremiações

Se o clube tem craques e futebol bonito, ele ganha, lucra. E mesmo dirigentes ruins se beneficiam disso em todo planeta. Se o clube vende jogadores, ganham agentes, dirigentes piores ainda e apenas um restolho fica no clube, que definha até ser salvo por alguma loteria ou o dinheiro público.

Clubes pequenos da Inglaterra ou da Espanha, sem a opulência de um dos 12 grandes daqui porém com um enorme lastro de segurança, levam jogadores que hoje seriam titulares de qualquer um dos times brasileiros da série A. Titulares da Seleção Brasileira jogam em equipes de segunda linha na Europa ou na Ásia.

Ambos os tipos de torneios podem coexistir. O Brasileirão é uma de cinco competições no ano para a maioria dos grandes clubes brasileiros. Atualmente no mata-mata há Copa do Brasil, Libertadores da América, Sul-Americana e estaduais. Tem mata-mata sim senhor, ele não foi substituído.

Uma emissora de TV precisa de picos de audiência e emoção para lucrar, não de rendimento. Agentes precisam de picos em algumas partidas para vender jogadores, não de desempenho regular em uma temporada.

Clubes precisam de rendimento estável para lucrar e se manterem vivos. Os seus craques devem ser regulares para venda de camisas e produtos licenciados. Os picos são um algo a mais interessante, reservado aos merecedores.

A disputa é por poder, não por emoção. Entre fortalecimento de uma empresa e alguns agentes ou do futebol nacional, fico com o segundo.

Se o objetivo for ter clubes sólidos, o problema do Brasileirão não é a fórmula, é a desarticulação com o restante do calendário. A Copa do Brasil poderia ser estendida para toda temporada, a Sul-Americana poderia ser simultânea à Libertadores, que por sua vez poderia ser esticada. Cada clube, com aproximadamente 50 jogos oficiais num ano, em torneios diferentes, de naturezas distintas.

Campeonato nacional por pontos corridos é uma forma de dar saúde financeira e competitividade aos clubes, fortalecer uma liga. Garantir que o time do coração de qualquer um pode se planejar para ser forte, grande e emocionante também no mata-mata.