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Carlos, Arthur; minha nação

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Carlos, Arthur; minha nação

Estou nos EUA há uma semana. Digo isso logo de cara pra que compreendam que pela primeira vez na vida eu não vivi o pré de um jogo decisivo. Não há futebol nos EUA, simples assim.

Passei dias sem rede social, sem os amigos, trabalhando o mínimo possível e portanto perdendo a ligação com a final que lá em 2007 eu jurava que veria em meio a um Flamengo caótico, endividado e pouco promissor.  Foi quando na reação dos jogos a menos do Pan a torcida do Flamengo passou a me dar a honra de sua audiência. E a ganhei exatamente por dizer ali, naquele cenário, que esse dia chegaria.

Chegou e eu não estava aí pra vivê-lo. Mas veja você.

Sozinho no aeroporto de Miami vendo o jogo burlando uma conexão VPN e com as imagens travando assisti ao primeiro tempo friamente.  Era a final mais sem graça da minha vida. Torcia pelo Flamengo, pelas dezenas de amigos que lá estavam e pelos outros tantos que trabalham no clube.  Pelo merecimento de um bom trabalho, pelo futebol brasileiro e pela derrota argentina.

Mas fazia tudo isso sentado, mudo, sozinho.

No intervalo minha namorada me alertou que havia um homem atrás de mim olhando pra tela. Tímido, pediu desculpas mas disse que não estava aguentando. Ele tinha um filho de 6 anos. Os chamei pra ver conosco. Seu nome é Carlos, seu filho Arthur. Alagoanos de Arapiraca, Carlos me contou ser rubro-negro e agradecendo a sorte disse que já nem contava em ver a decisão mais.

Colocou seu filho Arthur no colo e começamos a torcer pela virada.

Uma hora o garotinho disse “não vai ter gol do Gabigol assim!˜, e nós explicamos a ele que pra ser Flamengo teria que ser no finalzinho. Mas era um adulto contando de Papai Noel. A gente conta, até espera, mas não acredita exatamente naquilo.

Os minutos foram passando e Carlos ficando nervoso. Eu, que estava frio perante o jogo, já andava de um lado pro outro reclamando de cada passe errado. Os americanos olhavam sem entender nada o que eram aquelas pessoas na frente de um computador xingando a tela no meio de um sábado.

Flamenguista tem algumas características pouco disfarçáveis. Uma delas é a marra, a outra é a confiança baseada em absolutamente nada.  O River era calmo, tinha espaço, o Flamengo não criava nada, derrota desenhada. Dia em que nada deu certo.

E então o gol de empate surge, o jogo caminha pra prorrogação e eu e Carlos comemoramos no aeroporto junto do garoto que nõo fazia idéia estar vivendo uma história que contará pros seus netos um dia.  E então batemos as mãos, comemoramos e eu disse, tolo: “na prorrogação vamos virar!”.

Carlos me olhou rubronegramente e disse “Prorrogação nada. Vamos virar é nos acréscimos”.

De onde vem essa fé? Qual o santo que só eles enxergam? Porque pra eles o milagre é previsível?

Quando o Gabigol virou o jogo eu não comemorei. Parei pra ver um pai pegar seu filho de 6 anos e, no alto de seus mais de 45, encher os olhos de lágrimas num país distante, ignorando quem estivesse em volta, apenas pra dizer “eu não disse, filho? É o Flamengo!”.

Como quem vê Papai Noel entrando pela chaminé, Carlos mostrava pro filho que em momento algum o enganara. Apenas demorou pra provar.

Acabou. Arthur mal entendia, mas vai entender. Quando Carlos faltar e Arthur for relembrar, esse minuto estará na memória. Tal qual o Flamengo estará, a partir de hoje, pra sempre na sua vida.

Se você acha que ganhar a Libertadores é grandioso, imagina o coração  e um espaço na memória do seu filho.

Parabéns, nação.

RicaPerrone