Blá, blá, blá….

Voltamos do comercial. Se despede da assistente de palco, tira a mão do peito dela, ajeita a camiseta e vem!

A apresentadora fecha a cara, chama a negra que ganha mal, nem obrigado diz no final. Vamos pro ar, Brasil? Puta que pariu, ainda falta o especialista.

Aquele jornalista. Não dá pra ser só com artista.

Chama um esportivo. Mas a gente não fala de esporte, ué?

Não falávamos. Mas hoje tem lacração pra falar da decisão.

Então chama o convidado. Alô rapaziada! Direto do estúdio do esporte. E aí, viado?!

Bem baixinho pergunto pro colega ao lado. Já ouvi que ele é safado. Mas… viado?

Viado!

Gente, coitado!

Qual a pauta além da homofobia? Olhei em volta, cheio de artista, ninguém sabia.

Produção! Manda a plateia calar a boca!

Calma, você tá loca!

Loca é o caralho. Odeio essas caravanas de gente feia enchendo o saco.

4, 3, 2, 1… no ar!

Bom dia! Hoje vamos falar sobre racismo, o respeito a mulher e homofobia.  Mas antes disso, quero dar bom dia para essa platéia maravilhosa que veio da Vila Mandioquinha e trouxe tanta gente linda, humilde e que nos representa.

Posso interromper, fulana?

Claro, fulaninho!

Eu queria só aproveitar pra deixar um beijo pra minha esposa amada que está em casa e também dizer que chego a me emocionar aqui. Eu morei perto da Vila Mandioquinha quando pequeno, é muito ….  (choro contido)

(aplausos)

Gente, é muito forte rever nossa gente, nosso lugar né? Vamos aplaudir fulano! Que sensibilidade! Que artista!

Mas nem só de gente como o fulano é a vida. Ciclano, direto dos estúdios do esporte, fale pra nós do absurdo que foi um jogador repetir uma música de torcida após o titulo ontem!

Pois é, fulana. Dormi mal hoje, realmente não é o Brasil que quero pra mim. Até quando? Nossa piada mata, o futebol precisa se reinventar. Não dá mais.

Pois é. Intervalo, voltamos já!

E Ciclano ri, grita com a redação: “ô viado! pega ali o texto pra mim!”.

Eu?

Não, manda aquela gostosa da redação. Alias manda ela vir rebolando que eu prefiro!

(risos, muitos risos em volta).

No estúdio o artista seduz a apresentadora que, casada, aceita e troca o telefone. Juntos ignoram a funcionária mais humilde, fazem piada baixinho sobre a condição daquela gente pobre na platéia.

E voltamos pro ar.

Fulano, a mulher no Brasil é vítima de muito desrespeito. Como você lida com isso?

Olha, fulana, eu amo as mulheres. Respeito mais do que tudo, acho que chegar em 2019 a gente permitir piadas e atitudes que não condizem com o que elas merecem.

(aplausos enlouquecidos)

No whatsap ele escreve em meio aos aplausos para a garota da produção. “Te chupo toda”.

Ela ri.  Responde “bobo, não me ilude”

Quando acaba ele vai embora.

Ela também. Transam no carro e só são interrompidos quando a esposa que ele ama, respeita e defende telefona e pergunta se ele quer lasanha na janta. É seu prato favorito. Ele aceita enquanto recebe um sexo oral de outra.

No caminho, já aliviado de suas tensões sexuais, posta no instagram que “fim de uma jornada de trabalho. Hora de voltar pro ninho pra ver meu amor”.

Ela sorri, se emociona.

O colega de esportes liga.

Gostou do programa?

Porra, achei foda! Ganhei 10 k no Insta!

Tamo junto, viado! Aliás, comeu aquela putinha da produção?

Quem não comeu né?

risos, muitos risos.

E aquele papo feminista? Virou viado agora?

Ahahahaha é o que elas querem ouvir né caralho?

Tamo junto, viado!  Vou pegar um negocinho ali pra fumar logo mais. Quer?

Parei. Muito violenta essa cidade. Nem dá pra sair a noite pra comprar mais a nossa maconha.

Tá foda. Tudo bandido armado.

Até quando, né?

Abraço, viado!

Seguimos a programação normal.

Seus merdas.

RicaPerrone