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A noite que eu nunca dormi

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31 de agosto de 1994. A pior noite da minha vida, as horas de sono perdidas que jamais conseguir repor. São 30 anos de finais, jogos e paixão por futebol. Dos quais, vivi mais glorias do que tristezas. Mas, naquela noite, eu choraria feito uma criança e passaria minha primeira noite em claro por uma decepção futebolistica. 

Não esqueço um detalhe, nunca esquecerei. Tanto que ontem, antes de dormir, me lembrei disso e fiquei mais de uma hora na cama recordando cada minuto daquela verdadeira tragédia. Dói, até hoje. 

Quando imagino a Copa de 50 comparo exatamente a esse dia, mesmo sabendo que a dor deve ter sido muito maior, afinal, era uma Copa do mundo. 

Eramos bicampeões das américas. Nada podia nos deter. Ganhar titulos era quase uma rotina, e aquele time encantava qualquer um que assistia. Sem Raí, o campeonato de 94 era muito mais dificil. Mas, era possivel. 

Chegamos a decisão pelos penaltis, assim como o tal de Velez, daquele goleiro insuportavelmente competente e arrogante. 

19h, chego ao Morumbi e vejo aquele clima de “ja ganhou”. Morumtri, diziam. 

O jogo foi um verdadeiro teste pra cardiaco, como diria o Galvão. Passamos um segundo tempo esperando um gol anunciado, que por culpa da arbitragem não saiu. Um penalti clamoroso, que o estádio todo viu, menos o juiz. Penalti este que, diga-se, jamais foi lembrado pela midia quando falavam na perda desse titulo. 

1×0, gol de penati do Muller. 

Segundo tempo martelando, eles com 10, e nada… 

Vieram os penaltis, e junto com eles o choque.

Ao terminar o jogo, bateu aquele panico de ter que disputar nos penaltis, que acontece com todos. Mas o Velez não.

Eles comemoraram o fim do jogo, tinham plena certeza que ganhariam. Nunca vi aquilo… um time indo pros penaltis comemorando antecipado. Era o anuncio de muita competencia ou de uma arrogancia que acabaria minutos depois.

Chilavert, aquele desgraçado, pegou o penalti do Palhinha, fez o dele e ainda tirou onda.

Me lembro como se fosse agora. O ultimo penalti do Velez deu pra ouvir a bola raspando a rede, tamanho o silencio naquele Morumbi lotado. Doeu… doeu demais. Eu fui pra la ser campeão, voltei sem entender mais nada.

Na saida, um silencio que dava dó. Ninguem tinha coragem de vaiar, nem forças para incentivar ou aplaudir. 

A imagem de maior odio que senti na vida foi ao final dos penaltis. Chilavert comemorava e batia no peito exatamente virado pra onde eu estava. Tirava sarro, comemorava, enquanto todos choravam ou viravam as costas para ir embora.

Eu xinguei, perdi o controle, queria descer e socar aquele sujeito.  Nunca na vida senti tanto ódio. 

Eu tinha, sei la, uns 15 anos. Não aceitava que alguem debochasse do meu time na minha cara, no meu estadio. Perdi a razao, atirei coisas que tinha nas mãos, tentei descer, queria brigar. Imagina? O que eu ia fazer? Nada, óbvio! Mas, na minha furia de moleque, perdi o controle e a noção das coisas. 

Fui embora chorando copiosamente. 

Encontrei meu pai, entrei no carro e minha cara era de tanta dor que ele teve que baixar o rádio, onde o Palhinha falava na Jovem Pan, para me explicar que futebol era assim mesmo. 

Assim mesmo é o caralho, eu pensava. Onde ja se viu aquele goleiro metido a atacante vir tirar onda aqui? Aquela torcida cheia de guarda-chuvas dançando frevo no fim do jogo, ocupando o anel inferior do Morumbi, onde hoje ficam camarotes do setor vermelho.

Quanta magoa…

Cheguei em casa, me tranquei no quarto e simplesmente chorei. Chorei ate as 5 da manha, quando sai de la, tomei banho e fui pra TV ver se iam falar do penalti. Nada… só lembravam da derrota.

Ali me surgiu uma vontade enorme de ser jornalista, inclusive. Eu queria poder ir no CT dizer pra eles que não foi culpa do Palinha, que iamos reagir, etc. Coisa de moleque.

Mas, depois ganhei um premio. 

Eu tinha operado o pé ha 2 meses. Quando acabou, tive que fazer fisioterapia por mais 2 meses. E foi exatamente quando acabou aquela Libertadores. Tive a honra de fazer fisio ao lado dos jogadores do SPFC 2x por semana. Eu fazia todo dia, mas eles iam la nos dias seguintes aos jogos, ainda não tinha Reffis.

Conheci leonardo, Muller, Palhinha, Euller, todo mundo! Mas conheci assim, de ficar fazendo parafina numa banheira e ele na outra do lado, batendo papo. Era do caralho, eu queria fazer fisioterapia todo dia. hahahahaha

Sofri.. viu. Sofri uma barbaridade aquele dia. 

E hoje, passados 15 anos, eu conheci futebol como ele é. La dentro, convivendo com jogadores, tecnicos, dirigentes. Convivendo com rivais, com torcedores de todos os times, portanto, minha paixão foi a metade do que era. Com coisas que vi dentro dos clubes, caiu mais ainda. Assisto a tudo hoje em dia torcendo, mas nem tanto pra um time, e sim pras coisas que acredito.

As vezes eu vou sozinho ao Morumbi de dia, vou na arquibancada e me sento. Ele vazio, e fico ali. 

Lembro de titulos? Que nada… lembro daquele dia maldito.

Nunca dormi aquela noite, e acho que nunca vou conseguir repor aquelas horas de sono.

Dor de sãopaulino, passados muitos anos, é realmente uma dor prepotente. A gente não sabe o que é cair, ver o time na merda, com salario atrasado, estadio penhorado, nada disso. Sofremos por ser segundo, não por ser ultimo. 

Somos privilegiados, arrogantes, chatos até. Graças a Deus. 

Quando penso no que senti naquele dia fico imaginando o que viveu um botafoguense, um fluminense, um corintiano, palmeirense, gremista e tantos outros que viram seu gigante cair pra uma série B.  O Flu então, coitado, foi até a C. Deve doer uma barbaridade. NÃo faço noção de como seja, alias, sõapaulino nenhum faz. 

Por isso, eu respeito. Tiro sarro, é obvio! Sou torcedor fora do meu trabalho. 

Nem sei porque lembrei dessa merda toda ontem. Mas lembrei.

Pra quem não lembra ou era muito pequeno, segue o video. 

O pior dia da minha vida, disparado! E de muitos, acredito…

abs,
RicaPerrone

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<b>Rica Perrone</b> é jornalista, tem 44 anos, foi pioneiro no Brasil no jornalismo independente online entre outros. Apresentador do Cara a Tapa e "cancelado". com frequência por não ter feito nada demais, especialmente não bater continência pra patota.