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A grande família brasileira

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A grande família brasileira

São três filhos. Pais em pé de guerra. Antonio, Pedro e José.

Pedro odeia a mãe. Adora o pai. José odeia o pai. Apegado a mãe. Antonio não odeia ninguém, nem gosta. Fica entre um e outro tentando se dar bem com ambos.

A mãe é um horror. Passa vergonha, tem amigos “estranhos”, se veste mal, fala o que não deve, mas tem lá alguma noção de como gerenciar as finanças da família. Tem um primo que é economista e ajuda ela. É mais exigente com disciplina e não tolera que filho dela chegue em casa fumando maconha.

O pai é um gordo rico sem vergonha. Tá quebrando as finanças da família mas pra ter Pedro por perto ele compra carro zero todo ano pro filhão. O moleque se vende fácil. Acha que tá ótimo ter um carro novo e nem se importa com a origem do dinheiro do pai.

Os irmãos se odeiam. Brigam todo dia.

Aí pai e mãe um dia sentem que há uma crise financeira. A mãe joga na cara do pai que ele roubou, perdeu o emprego, foi preso e por isso destruiu a família. O pai diz que a mãe é uma anta, que trata mal os filhos e que não tolera o Antonio, que é gay.

Pedro briga pelo pai. José pela mãe. Antonio pra ser a vítima da família e ter mais atenção de ambos e mais direitos que os dois irmãos.

Foi aniversário do Pedro, não teve festa porque faltava dinheiro. No de José mesma coisa. Pra Antonio o pai fez uma coisinha pra não dizer que ele ficou sem aniversário só porque era gay e se não fizesse nada podia melindrar os amigos famosos do filho.

Sim, Antonio é cheio de amigo influente na vizinhança. Deixa-lo triste faz mal pra imagem da família. Especialmente da mãe, que é quem não tolera bem a sexualidade do filho.

Um dia a mãe diz que é o seguinte: temos 5 mil pra viver. Devemos 2 por mes, sobra 3. Vamos cortar 50 reais de netflix.

Pedro se desespera. Grita, se joga no chão, diz que vai matar, que quer ser adotado pelo vizinho. É um escândalo. Antonio faz tipo de insatisfeito porque é a função dele não estar nem puto, nem feliz.

José defende a mãe. Óbvio. Ta feia a coisa, tem dívida, falta dinheiro, vamos cortar o Netflix, ué!

O pai chega em casa e se revolta. Quer mais netflix, assine o HBO, o Telecine, manda a mãe se fuder, repassa uma senha ilegal por amigo vizinho, fecha um esquema de tv pirata pra não pagar o premiere e deixa Pedro feliz.

José diz que não, que é errado. E o pai diz que “errado é sua mãe que quer tirar o netflix de vocês. Isso é educação!”.

José pede dinheiro pra comprar um extintor. A mãe nega, diz que não tem. O pai surta, como se algum dia ele tivesse pensado em tal prevenção.

Antonio assiste netflix e reclama de não terem cancelado. Ou seja.

Um dia pai e mãe chamam os filhos e dizem: crianças, decidimos que não terá netflix, que não teremos pizza as sextas-feiras, cortamos o ingles do Pedro, o futebol do José, o curso de teatro do Antonio, cancelamos a viagem de fim de ano e estamos pensando em nos separar.

Pânico. Filhos saindo na porrada, empregada chorando, cachorro andando em circulos. O caos.

Até que pai e mãe, juntos, anunciam que, porém, apesar de todos os cortes e problemas, disponibilizarão 200 mil reais das economias da família para que eles possam viajar pra Paris renovar os votos.

E então Pedro olha pra Antonio, que olha pra José. Os três notam algo errado mas, com lados determinados e não dispostos a ponderar, começam a defender pai e mãe, brigar entre eles enquanto seus pais vão felizes comprar passagens pra Londres.

Pedro quer discutir a tolerância da mãe com Antonio. Antonio chora. José quer seu netflix de volta.

A mãe olha pro pai e diz: “melhor irmos viajar só nos dois. Olha essas crianças! Não sabem o que querem. Só brigam. Vamos reerguer a família com essa viagem fundamental e umas noites em Paris”.

Ele concorda, óbvio.

Os filhos? Correm pra web e criam uma hashtag cada esperando que os pais os notem.

É foda.

Mas, convenhamos, os filhos são burros pra caralho.

RicaPerrone