A América é do povo

Quarta-feira, dia 4 de julho de 2012. Por algum motivo que ainda não tem nome, foi feriado em São Paulo. Os corintianos, metade da cidade quase, não conseguiam trabalhar. Portanto, enrolavam no trabalho ou simplesmente faltavam de forma mais transparente e honesta.

Os não-corintianos, desesperados vendo a piada predileta ir embora, passavam o dia discutindo, implicando e procurando formas de evitar o inevitável.

São Paulo respirou futebol por 24 horas. Ninguém fez nada, ninguém conseguiu pensar em mais nada, não havia mais nada acontecendo na cidade.

Se em algum momento pudessemos juntar os tais 30 milhões de corintianos, ouviriamos o “tic tac” dos relógios. Eles não respiravam, não falavam, só rezavam e faziam, em suas cabeças, os planos para vencer e a forma de “sumir” em caso de derrota.

Uns chegaram cedo, como numa concentração. Outros atrasados, como que por obrigação. Cedo ou tarde, com calma ou correndo, do portão pra dentro não havia mais diferença. De terno o executivo era apenas mais um “louco”, e o de chinelo, idem. Juntos, uma nação.

Nação com dom artistico incomum. Já vi pessoas interpretarem situaçòes, atores brilhantes em cena, jamais um grupo de não atores, não treinados, sequer ensaiados, fazendo uma cena perfeita de mais de 90 minutos.

Eles fizeram.

Aquela fé, aquela confiança e aquela sensação de “certeza na vitória” que vinha da arquibancada não era real. Eles estavam morrendo de medo de perder mais uma vez. Mas alguém notou que não era permitido passar medo pro time, e imediatamente os loucos viraram atores, capazes de interpretar um musical digno de  Nova York.

Afinados, cantavam, gritavam, faziam gestos não ensaiados na mesma direção. Em campo, paciência. O tal do Boca, argentino, portanto, inimigo, veio pra não jogar. Através do desleal e mediocre futebol de sua terra, queriam catimbar, esperar, prender, achar um lance e dar pontapés.

O Corinthians precisava sair disso, mas é difícil um estreante chapelar um veterano. Levaram 45 minutos para perceber que só um time jogaria, desde que quisesse jogar e transformasse medo em vontade.

Na volta do intervalo o time é recebido por uma nova torcida formada pelas mesmas pessoas. Como isso?! Cade o mosaico? Agora é bandeirinha? Fogos de novo? Musica nova? Onde ensaiaram isso tudo?!

Nas ruas da cidade, silêncio. São Paulo era um barril de pólvora esperando para explodir. Para lá ou para cá, explodiria.

Numa quarta-feira incomum, metade dos brasileiros desta cidade viraram argentinos. E sabemos, por mais teimosos que possamos ser, que argentino, quando o assunto é futebol, tem que se foder.

E se foderam.

Em campo pela humilhação orquestrada por Emerson Sheik, que pedia deliciosamente para tomar um tapa na cara do mediocre e derrotado zagueiro argentino. E fora, onde meia cidade, hoje argentina, fechava suas janelas porque o “Chupa Curintia” não viria mais.

Pior. O “Vai Corinthians” tomaria conta da cidade.

Fim de jogo, nada de grandes explosões. A esperada euforia foi vindo aos poucos, minutos depois do apito final. Quando oficializado o fim da espera, ao invés de “chupa”, o choro e o abraço. No pai, no amigo, no irmão, no cachorro ou até mesmo na camisa enrolada no punho.

Era um encontro do Corintiano com o Corinthians, mais importante do que a “vingança” centenária contra os rivais, que pagarão o preço parceladamente nos próximos 6 meses, onde se tornarão ingleses, parte deliciosa do futebol, diga-se.

A ficha não caiu. O dia de hoje é o dia mais feliz da vida de milhões de pessoas e nenhuma esposa tem o direito de ficar brava e ousar citar o casamento como concorrente. Nada jamais será comparado a este dia para os corintianos.

O Corinthians não “ganhou” a América. A conquistou. Um pouco a cada jogo, a cada sofrida classificação ou a cada alívio pela bola que não entrou. Aos poucos, porque de uma vez coração nenhum aguentaria.

A fiel faz festa, não deixa ninguém dormir. A cidade tem 2 cores, um só clube e não tem dia seguinte.

Amanhã não é dia de trabalhar, nem de curtir a ressaca. Corintiano tem o direito de passar o dia inteiro na frente da tv vendo os gols em looping por 12 horas sem interrupção até aceitar que “acabou”.

Até entender que o sonho acabou. Agora é real. Não precisa mais imaginar “como seria”. Agora é.

E de tanto gritarem “Vai Corinthians”, ele foi.

Empurrado por paixão, combatido por inveja e consagrado por méritos.

Acabou.

A América, enfim, é do povo.

abs,
RicaPerrone